domingo, 16 de fevereiro de 2014

O poder do discurso psiquiátrico no TDAH

A forma como vemos e sentimos o mundo e tudo o que está presente nele é uma maneira de sintetizar e classificar tudo ao nosso redor. Essa classificação ocorre quando existe alguma diferença entre as pessoas, seja cultural, racial ou econômica, onde até mesmo pessoas que são ditas como normais são classificadas de alguma forma, podendo iniciar assim um processo de rotulação e preconceito.

Ian Hacking (2006)5 afirma que nosso mundo é um mundo de classificação e que essas classificações, ou nomes, têm efeitos particulares quando se referem a comportamentos de uma pessoa, pois o indivíduo, ao tomar consciência de sua classificação, tende a modificar seu comportamento.1 Seja de forma positiva, quando o indivíduo passa a pertencer a uma determinada classe, fortalecendo suas características; ou negativa, quando o indivíduo resiste a essa classificação.

Desta forma, é possível pensarmos que um diagnóstico dado passa a ser um ponto de divergência, pois, a partir do momento em que o diagnóstico é dado, passamos a impor um rótulo, sendo o diagnóstico um ponto de partida para um tratamento específico e padronizado. Hacking (1999) sugere uma diferença entre o elemento indiferente da doença, que são as causas biológicas e o elemento interativo, que é o estereótipo (conjunto de sintomas) do portador daquela doença e que assume ainda um caráter social, envolvendo comportamentos e julgamentos sociais.


O diagnóstico do TDAH é dado apenas com consulta clínica sem nenhum exame laboratorial ou imagem que possa auxiliar. Os especialistas contam apenas com relatos de familiares e características específicas observadas durante as consultas do paciente. A partir do diagnóstico, qualquer comportamento inesperado da criança ou do adulto passa a ser justificado pela doença. As atitudes das pessoas ao seu redor se modificam em função do seu diagnóstico e das características consideradas como devidas à doença, afetando assim o modo de como o paciente se vê.

Agora, cabe trazer aqui uma análise crítica do discurso que tem no linguista inglês Norman Fairclough7 um de seus maiores representantes. Segundo Fairclough as interações discursivas não são neutras, há relações de poder implicadas não só no discurso, mas também por trás do discurso. Quanto ao poder no discurso podem ser apontadas, por exemplo, as interações face a face que, no caso do TDAH, se dão no encontro entre médico e paciente. Em situações como esta, apesar de ser o cuidador (mãe, por exemplo) ou o possível portador de TDAH quem traz a queixa, é o médico quem detém o poder de responder à queixa e conduzir o discurso sobre o diagnóstico. O cuidador ou paciente ouve e, quase sempre, absorve o que é ouvido como verdade para si porque advém de alguém capacitado a fazê-lo. 

Se por um lado o poder no discurso tem neste mesmo sua esfera de atuação, o poder por trás do discurso determina, antecipadamente, as formas de discurso consideradas válidas. O discurso do profissional de medicina é um exemplo que se encaixa neste caso porque é dotado de credibilidade quando enunciado à pessoa comum que recebe o diagnóstico de portador de um transtorno. Isto ocorre porque o médico é dotado de um saber teórico e prático, reconhecido socialmente. Sendo assim, a relação médico-paciente – ou médico-cuidador – é assimétrica, ou seja, nela está implicada uma relação de poder entre quem diagnostica e quem recebe o diagnóstico. Então, na maioria das vezes, não há um movimento por parte de quem recebe o diagnóstico de colocar-se criticamente sobre ele. Pelo contrário, este diagnóstico é comumente tomado como verdade por partir de alguém instruído em um saber (neste caso a ciência médica) que baseia e credita seu discurso. Então, antes de se manifestar no discurso, o poder opera por trás dele. É interessante pensar sobre isso porque um diagnóstico de TDAH, de qualquer outro transtorno ou mesmo de uma doença, certamente influenciará na visão que a pessoa que o recebe tem de si, assim como na visão de outros que com esta convivem.

[REFERÊNCIAS]

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